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segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A Grande Mão - excerto 7

Com a revisão a chegar ao fim, este é o penúltimo excerto que publico. 

   - Alto! – gritou um deles, adiantando-se. Levantou a espada à sua frente, para tornar clara a sua intenção. – Quem és tu e o que fazes aqui?
   - Como é que passaste pelo Ulhm?
   Patron não respondeu. Desacelerou, mas não se deteve. Os homens hesitaram por um segundo, depois o chefe deles voltou a gritar:
   - Pára! Pára onde estás ou acabamos contigo!
   Patron estremeceu, lançou um olhar desamparado na direção de Nolan, mas prosseguiu até estar suficientemente perto para lhes ver os brancos dos olhos. Os homens atacaram-no em simultâneo, e Patron saltou para trás e segurou o primeiro embate da espada na sua. O ruído do metal retiniu-lhe pelos braços acima e no corpo todo. Da sua posição, Nolan esticou a corda do arco. A flecha assobiou e cravou-se no seu destino, entre as placas de ferro que cobriam as omoplatas do soldado mais recuado, que caiu, o olhar sem vida redondo de surpresa. Eirina pulou como um gato silencioso, e caiu sobre o seguinte, trespassando-o com a espada antes que este se apercebesse. Enterrou a cara na neve e lá ficou, ferido de morte, conspurcando a alvura com o escarlate espesso do seu sangue.
   Patron, ainda enfraquecido, foi de pouco auxílio. Quando chegaram perto dele, um homem de cabelos salpicados de cinzento já o fizera recuar vários passos, batendo-se com a sanha e a frieza da experiência. Em quatro  estocadas, esquerda direita, em cima, esquerda de novo, tinha Patron de joelhos, o escudo improvisado com a casa de uma árvore erguido sobre a cabeça, num gesto de defesa.
   - Cometeste um erro, rapazinho – berrou-lhe, e deixou cair a espada sobre ele. Patron sentiu a dor lancinante no braço, o ardor, e logo a seguir o calor do sangue. O escudo tombou, partido ao meio. Olhou para o homem, com o queixo caído como um idiota.
   - Patron, seu estúpido, defende-te! – berrou-lhe Eirina, pontapeando o adversário para livrar-se dele por um instante – Ou morres aí!
   Mas Patron não se mexia e o homem já levantara os braços para o decapitar. Eirina gritou, e saltou como nunca antes, para travar com a sua a lâmina que estava prestes a roubar a vida ao amigo. Tremeram-lhe os braços, os ombros, a vibração metálica subiu-lhe pelo pescoço até lhe fazer bater os dentes. Mas era isso ou deixar Patron morrer.
   - Eirina. – disse o homem, com um esgar de desprezo – A rameirita traidora. És uma vergonha para o teu pai.
   Não lhe respondeu. Em vez disso, lutou. O homem fazia dois dela, mas Eirina tinha a vantagem de uma agilidade de gato e dos sentidos apurados. Esquivou-se aos golpes, baixando-se, rodando sobre si mesma, e recuando passo a passo, para afastá-lo de Patron.
   - Nolan! – berrou. Num só movimento, Nolan sacou a seta da aljava, esticou o arco, e disparou-a. Atravessou o pescoço gosso como um tronco de um lado ao outro. Vermelho de fúria e dor, o soldado largou a espada e agarrou a seta com ambas as mãos. Por um momento, Eirina achou que ia arrancá-la e continuar a  lutar mas, assim que tentou puxá-la, estremeceu da cabeça aos pés, abriu e fechou a boca em silenciosa agonia e desmoronou. Sentou-se uns instantos, com ar confuso, antes de cair para o lado e ficar dobrado sobre si próprio, a ponta da flecha espetada na neve. Não teve tempo para observá-lo. Patron recolhera-se contra o tronco de uma árvore, com o braço que sangrava contra o estômago, e defendia-se a muito custo de outro soldado. Os restantes tinham corrido para Nolan, que largara o arco e sacara as machadinhas.
   Eirina despachou despressa o louro que concentrava a sua atenção em Patron, arreganhando os dentes podres num sorriso que reclamava a vitória. A rapariga levantou a espada com ambas as mãos, desferiu-lhe um golpe  na nuca, separando a espinha do crâneo, e continuou a correr, na direção de Nolan. Receava que tanta morte o enfraquecesse e o tornasse uma presa fácil. Mas o jovem lutava como sempre, uma fera elegante e elástica. Parecia estar em toda a parte ao mesmo tempo, brandindo as machadinhas, lançando-a uma ao peito de um, à sua esquerda, para logo estar metros mais à frente, protegendo Patron, e em seguida saltar para a anterior posição e pelejar, manejando sem hesitações as armas, tão depressa que os adversários mal conseguiam acompanhá-lo. Parecia receber a sua velocidade e força diretamente do solo, a energia com que lutava era inesgotável, explodia em movimentos rápidos, golpes inesperados que apanhavam de surpresa os inimigos. Podia tê-los enfrentado a todos sozinho e vencido, mas Eirina lançou-se na refrega com vontade.
   Em pouco tempo, todos os adversários jaziam no solo, mortos ou a caminho de uma morte rápida. Só então Nolan parou, olhou em volta e viu. Os corpos, o sangue manchando a neve, as suas mãos, a roupa. Caiu de gatas, ofegante, atingido finalmente pelo horror da morte. Eirina avançou na sua direção, mas Nolan levantou uma mão, para detê-la.
   - É sempre assim, estou preparado. Só preciso de um momento.
   Sentou-se e descansou um pouco. Depois, soturno, mal refeito, levantou-se e substituiu Eirina na tarefa ingrata de ocultar os cadáveres, arrastando-os para dentro do maciço e escondendo-os por baixo de arbustos, para que ela pudesse ocupar-se do braço de Patron.
   Fraco esconderijo, pensou, olhando para um dos corpos, visível entre o gelo acumulado sob os arbustos finos. Remexeu a neve tinta de escarlate, na tentativa vã de apagar os vestígios da luta. Encolheu os ombros. Eh. Quem é que vai descobri-los? A não ser os animais. Pode ser que os levem daqui.
   Eirina terminava o curativo Patron quando chegou perto deles.
   - Isso é um trabalho desnecessário, - protestou Patron, irritado pela dor –  se ninguém passa por aqui como disseste. Eirina, cuidado!
   - Como é que ele está?
   - Ai! Raios, Eirina! Mas tu julgas que sou algum boi?
   - Como vês, há de viver muito tempo para me infernizar a paciência! Bébé! – exclamou Eirina – Mas vai ficar melhor quando for tratado como deve ser.
   - Estou muito bem, deixem-me em paz.

pág 327-28



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